“Centauro
77 na base, baixado e travado, pouso final.”
“77, trem checado, livre pouso, vento calmo”.
Quantas vezes falei isso. Quantas vezes ouvi essa resposta da
torre de controle. Quantos pousos na “pista 28” da
Base Aérea de Santa Maria. Quanto azul voando nos céus
do Brasil. Os céus que cada Centauro, cada piloto de combate,
jurou defender. A vida pela missão. A missão pela
vida daqueles que protegemos. A vida pelos brasileiros. Pessoas
que não conhecemos na maioria, mas é a nossa nação.
Essa é a missão do piloto de combate. Essa é
a nossa missão no ar.
Porém, certamente não voamos a vida ou os dias inteiros.
Então, uma vez no solo, termina a missão do piloto
de caça? Não! Claro que não! Ser caçador
não é uma profissão, é um estado de
espírito. Não importa estar no ar ou na terra. Sempre
existirá dentro do coração de caçador
a mesma coragem, força, garra e amor pela pátria.
Exatamente a mesma determinação que nos faz manter
o vôo e prosseguir na missão dentro da mais pesada
artilharia anti-aérea. Isso é o caçador,
isso é o Centauro.
Um grupo do qual eu me orgulho de fazer parte! Amigos que você
sabe que sempre estarão contigo, nos momentos de sacrifício
da missão ou nos momentos de comemoração.
Sexta-feira era dia de churrasco no Esquadrão. Depois do
pouso, no caminho do avião para o prédio do esquadrão,
já podíamos sentir o cheiro da carne, que se espalhava
no ar frio dos pampas. O traje “anti-g” ficava pendurado
ali mesmo, em uma das colunas do quiosque da churrasqueira. Ali
colocávamos a conversa em dia. Papo de piloto. Papo de
amigos que confiam a vida entre si. O regresso, depois de uma
missão operacional suada, tinha esse sabor de recepção.
A recepção de amigos de verdade. Amizade viva.
Costumo dizer que a atividade do vôo, de certa forma é
um bom simulador da “atividade da vida”.
Segui meu vôo na vida, desgarrado. O Centauro desgarrado.
Voei por dias claros e noites escuras. Sobrevivi a tempestades
e solidão. Fui ferido e disparei minhas flechas. Sofri
e sorri. Estive em lugares onde poucos se arriscaram. Conheci
a Terra e as estrelas. Encarei meus temores e toquei os meus sonhos.
No dia 19 de abril, retornei ao Brasil, depois de cumprir 8 anos
de treinamento, 10 dias no espaço e 10 dias de recuperação
no hospital em Moscou. Era o retorno ao meu país. O regresso,
depois de uma missão operacional suada. A minha expectativa
era baseada na lembrança daqueles pousos no Esquadrão
Centauro. Parti da Rússia pensando sobre isso. Expectativa
viva.
Cheguei em São Paulo e encontrei minha família.
Foram momentos curtos, depois de longos meses de separação.
Mas o amor não se distancia. Amor vivo.
De São Paulo, segui direto para Brasília em avião
da Força Aérea. No caminho, escolta de companheiros
da Caça. Sensação interessante. Parecia estar
no avião errado.
Na Capital, discursos, medalhas e um nó na garganta, de
felicidade, quando vi todas aquelas crianças agitando bandeiras
do Brasil e cantando o nosso hino. O mesmo ocorreu quando encontrei
com mais de mil crianças no Parque da Cidade em São
José dos Campos. Esperança viva.
Na festa da caça, em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, revi
antigos amigos. Voei novamente um avião com emblema do
Centauro. Vi o passado, o presente e o futuro da nossa aviação
de combate cantando juntos as canções da nossa história
e homenageando Santos Dumont. História viva.
Os cadetes da AFA, a Academia da Força Aérea, em
Pirassununga, me mostraram nos olhos e na força dos seus
“gritos de guerra”, que as frases escritas nas paredes
daquela escola, tão querida para mim, não são
apenas palavras. Hoje eles têm certeza de que aquele caminho
realmente leva aos astros. Certeza viva.
Bauru, minha cidade natal, “cidade sem limites”. Nós,
como seus filhos, temos que tentar fazer valer o seu “slogan”.
Encontrei velhos amigos. Conheci novos amigos. Vi pessoas que
eu nunca vi. Mas sentimos, juntos, o doce sabor do regresso, da
missão cumprida pelo país. Senti o carinho como
qual me trataram. Carinho vivo.
Vi meu nome escrito nos céus. No mesmo aeroclube e pela
mesma esquadrilha de aviões coloridos que incentivaram
meu sonho de voar há tanto tempo. Saudade viva.
A frase escrita com fumaça desapareceu ao vento depois
de algum tempo. A memória nunca esquecerá. A imagem
de meu pai, ao meu lado, sorridente aos 88 anos, olhando para
cima, olhando para as palavras escritas com fumaça, também
nunca esquecerei. Orgulho vivo.
Hoje, passados aqueles dias de retorno e as turbulências
esfumaçadas do sentimento humano, viverão para sempre,
a saudade das estrelas, o orgulho de um pai, o amor de uma família,
a amizade de verdadeiros amigos, o carinho de milhões de
pessoas, o registro na história do país, a expectativa
que os ensinamentos sejam utilizados pela juventude, a esperança
no futuro e a certeza de que farei a minha parte.
O Centauro pousou depois do longo vôo. Cumpri minha missão
nos céus. Resta agora a missão maior na terra. Resta
agora o coração de caçador. Resta agora o
coração de Centauro!
A
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